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Conheça os múltiplos benefícios da restauração de ecossistemas

Além de mitigar as crises do clima e da biodiversidade, a restauração devolve às áreas recuperadas a capacidade de oferecer suporte à sociedade humana e sua economia

O ano de 2024 foi o mais quente já registrado e 2025 tende a repetir esse resultado, com o mundo experimentando cada vez mais os efeitos do aquecimento global. A perda da biodiversidade representa uma segunda crise ambiental, talvez com potencial para causar ainda mais danos que a do clima.

Marcelo Pereira, Diretor de Restauração da Biomas, explica que “quando destruímos florestas, não estamos apenas perdendo fauna e flora, estamos comprometendo atividades econômicas e colocando em risco a nossa sobrevivência enquanto espécie, pois a perda de habitats naturais tem impactos diretos na economia e na vida humana”.

De acordo com a Embrapa, entre 70% e 80% das plantas utilizadas para a produção de alimentos no Brasil são dependentes do serviço ecossistêmico de polinização realizado por animais como abelhas, pássaros e morcegos. Do ponto de vista financeiro, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos calcula que cerca de 55% do valor da produção agrícola brasileira vêm de culturas dependentes de polinizadores. 

As crises do clima e da biodiversidade se alimentam e se agravam mutuamente, e têm provocado impactos ao bem-estar e modo de vida em todos os países do mundo. No Brasil, em 2024, as chuvas torrenciais no Sul e a longa seca na região amazônica nos lembraram de forma brutal da fragilidade da vida no planeta. Conforme cresce a percepção de que o mundo passa por uma grave crise climática, mais cientistas, líderes políticos, ativistas sociais e empresários participam da busca por soluções.

Nesse sentido, a restauração de ecossistemas tem despontado como uma das respostas mais eficientes, tanto para os desafios do clima quanto para os da biodiversidade. Em muitos países, ela tem se mostrado eficaz também para combater graves processos de desertificação. Isso porque a solução é a única conhecida atualmente que, além de mitigar as crises naturais, devolve a capacidade das áreas recuperadas de dar suporte à sociedade humana e à sua economia.

Até recentemente, o desafio estava colocado apenas no âmbito do cumprimento de requisitos legais ou da filantropia em projetos de pequena escala. No entanto, o surgimento e a expansão do mercado de carbono permitiram que a atividade se tornasse um negócio viável para o setor privado, atraindo investimentos para projetos em escala.

A restauração ecológica permite o resgate de serviços ecossistêmicos essenciais, como a recarga hídrica de lençóis freáticos e a fertilidade do solo

A segurança hídrica e a qualidade do solo são exemplos de serviços ecossistêmicos recuperados por meio da restauração em larga escala. Ao retirar a vegetação de um local sem que seja realizado o manejo sustentável de qualquer cultura, iniciamos um processo de degradação daquele solo, a começar pelo aumento de sua compactação. 

Nas palavras de Pereira, “essa compactação leva a um processo erosivo, que tem como consequências um maior carregamento de solo para os rios, provocando seu assoreamento, além da redução da infiltração da água no solo. Esta, por sua vez, implicará em menor recarga hídrica do lençol freático, que é o que abastece os mananciais de água de maneira sustentável e perene”. Isso diminui a disponibilidade de água nos aquíferos e aumenta a probabilidade de enchentes. Pereira destaca que “restaurar significa recuperar essa capacidade, garantindo que a água infiltre no solo e chegue ao lençol freático de forma gradual e limpa."

Em uma escala de país ou continente, a regulação do clima proporcionada pela vegetação também contribui para a mitigação de eventos extremos, como ondas de calor e chuvas intensas, que se tornaram muito mais frequentes nos últimos anos. Além disso, os ecossistemas restaurados permitem a regeneração de habitats para espécies nativas, promovendo o retorno da biodiversidade àqueles locais através de espécies que vão desde mamíferos de grande porte, como onças e antas, até microorganismos que habitam o solo e são praticamente invisíveis à olho nu, mas que desempenham papel fundamental no equilíbrio daquele ambiente. “O ambiente de uma floresta natural é, na verdade, uma complexa trama de inter-relações entre os diferentes organismos e elementos que ali habitam, onde a ausência ou o excesso de um determinada espécie, por exemplo, pode significar o comprometimento da sobrevivência de outra. Solo, planta, bicho, água, clima é tudo uma coisa só. Fazem parte de um mesmo ecossistema. Estão todos conectados e interagindo, o tempo todo”, explica Pereira. 

Entre os desafios para que a recuperação de áreas naturais ganhe escala no Brasil estão a cadeia de suprimentos e as questões fundiária e regulatória

A originação de terras aptas para um projeto de carbono ainda é um processo desafiador em nosso país. Embora o Brasil disponha de milhões de hectares de áreas degradadas tecnicamente aptas a serem restauradas, a questão fundiária é complexa. Muitas dessas terras não têm documentação regularizada, inviabilizando qualquer ação com segurança. 

A cadeia de suprimentos pode representar uma barreira adicional. Em muitas regiões, inexistem viveiros para produção de mudas nativas ou mão de obra especializada para coletar sementes e fazer toda a atividade de implantação e manutenção das áreas de restauração. Essas cadeias precisam ser estruturadas em todo o país para viabilizar a restauração em grande escala.

Além disso, embora o mercado de carbono represente um imenso avanço para a viabilidade econômica da restauração, esta por vezes carece de instrumentos que facilitem o acesso a recursos já disponíveis no sistema financeiro, por exemplo. 

A união das empresas do setor pode contribuir para a superação dos desafios e fazer com que o Brasil seja reconhecido como liderança climática global

O Brasil tem potencial de se tornar um líder global em restauração de áreas naturais, pois reúne as condições ideais: áreas degradadas, tecnologia avançada, conhecimento científico consolidado e um mercado crescente de créditos de carbono.

Para que os desafios sejam superados e essa transformação se consolide, é preciso ampliar e fortalecer o diálogo entre empresas, governos e investidores. Assim, o Brasil poderá aproveitar plenamente as oportunidades desse mercado. 

Além da sua viabilidade como negócio, a restauração traz resultados sociais e em serviços ecossistêmicos

A Biomas entende que a restauração não é um processo isolado, mas uma reconstrução de interdependências. É uma peça dentro de um sistema maior onde solo, água, biodiversidade, economia e sociedade precisam estar alinhados para que o ecossistema possa se reestabelecer.

“Tudo está conectado”, ressalta Pereira. “Se ignoro a presença de espécies invasoras ou fatores ambientais adversos, posso comprometer todo o projeto. Se não envolvo as comunidades locais gerando valor e criando pertencimento, a área pode retornar a algum estágio de degradação. A visão sistêmica é o que permite que a restauração ganhe escala e se perpetue", explica.

Acreditamos que projetos de restauração fracassam quando ignoram fatores ambientais ou a realidade social e econômica das comunidades locais. É essa visão sistêmica que permitirá que a restauração se efetive como um modelo econômico e ambiental viável e duradouro. 

A restauração só alcançará a escala necessária para gerar impactos reais se for tratada como uma agenda coletiva e de longo prazo.